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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A receptividade da Teoria da Perda de uma chance pelo Direito Brasileiro

A receptividade da Teoria da Perda de uma chance pelo Direito Brasileiro


 Ao longo do tempo, modificou-se o padrão de indenização em relação aos danos civis. Antes a utilização do instituto voltava-se mais à punição do infrator, período no qual não era possível diferenciar a responsabilidade civil da penal.

 Com a objetivação da responsabilidade e a coletivização dos direitos fundamentais, buscou-se um maior amparo à vitima do dano pelo ordenamento jurídico. Assim, a reparação civil passou a ter por escopo a satisfação integral do dano causado, visando compensar o lesado pelos sofrimentos ocasionados pelo agente do ato ilícito, sem gerar um enriquecimento sem causa ao prejudicado.

 Vive-se numa era de incertezas, onde os danos sofridos muitas vezes não são passíveis de uma comprovação robusta pela vítima. A vulnerabilidade de algumas relações sociais tem ocasionado uma procura minuciosa de institutos que supram a falibilidade dos instrumentos jurídicos existentes.

 Nesse contexto, a teoria da perda de uma chance constitui-se justamente num modo de possibilitar à vítima o recebimento de alguma reparação, quando, de acordo com a teoria tradicional, este indivíduo ficaria desamparado.

 Esta teoria encontrou pouca repercussão no direito brasileiro. Os doutrinadores tradicionais desenvolveram o tema de forma sucinta, limitando-se a esboçar seu conceito e exemplificar alguns casos em que seria possível sua aplicação, por exemplo, na responsabilidade civil do advogado. Entretanto, ao se analisar a teoria à luz do direito comparado, observa-se que a doutrina e jurisprudência estrangeira apresentam grande desenvolvimento na aplicação da perda de uma chance, sobretudo no direito francês, norte-americano e italiano.

 As expectativas são fatores de comoção social. Algumas vezes, uma chance, pela influência psicológica que exerce sobre o indivíduo, pode representar uma gama de sonhos e esperanças na consecução de um futuro melhor, ou até mesmo possuir um valor sensorial maior do que a vantagem final esperada.

 A chance pode ser caracterizada como o patrimônio ínsito de cada indivíduo consubstanciado na obtenção de uma vantagem futura ou de se evitar um prejuízo remoto. O próprio fato de viver ou sobreviver induz necessariamente a ideia de riscos e, por consequência, a perda de chances de escolhas feitas ao longo da vida. Assim, nunca se saberá o resultado do processo aleatório no qual a vítima está inserida, isto é, se a chance restaria infrutífera, apenas como mera expectativa incerta; ou se a chance resultaria na vantagem final almejada.

 Resta averiguar, no caso concreto, se as chances perdidas são passíveis de reparação jurídica. Dois são os critérios apontados pela doutrina e jurisprudência para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance. O primeiro diz respeito à seriedade das chances ultrajadas; para que a demanda seja digna de procedência, a chance deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. O segundo, prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem final.

 A natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance é dúplice, pois pode ser compreendida dentro de um conceito diferenciado de dano, ou ser um conceito mais alargado do nexo de causalidade. Assim, divide-se a teoria da perda de uma chance em duas vertentes: a perda de uma chance clássica, na qual é possível visualizar um dano autônomo, caracterizado na própria chance perdida e plenamente independente da vantagem esperada (dano final); a perda de uma chance vinculada ao nexo de causalidade, nas causas em que se deve recorrer a um conceito menos ortodoxo de causalidade.

 A perda de uma chance clássica ocorre sempre que o processo aleatório é interrompido antes do seu final e seja possível, assim, isolar a perda da chance como um dano autônomo. Não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela possibilidade real e séria de consegui-la. Para tanto, a teoria faz uma distinção entre resultado perdido e as chances vituperadas, relativizando o conceito de dano.

 Muito embora não haja uma previsão expressa quanto à usurpação de chances, o Código Civil brasileiro possui uma cláusula geral de conceitos abertos (art. 186) que permite a valoração, pelo julgador, de danos outros que não estejam tipificados em nosso ordenamento.

 Porém, da leitura dos artigos 402 e 403 do Código Civil, denota-se a intenção clara do legislador em admitir somente os prejuízos efetivos e os lucros cessantes como formas de perdas e danos devidos à vítima. Assim, quaisquer outras espécies de danos materiais que não estes devem estar previstos em lei, não cabendo uma interpretação ampliativa para uma terceira fattispecie.

 Nega-se o enquadramento destas chances como lucros cessantes, posto que a conduta do réu não é condição necessária para o aparecimento do dano final, mas apenas para a perda da chance imediata e presente de auferir a vantagem esperada. Assim, as chances conspurcadas seriam mais bem classificadas como danos emergentes, já que, por constituírem o patrimônio da vítima no momento da ação danosa, equivalem ao prejuízo efetivamente sofrido.

 Por sua vez, a perda de uma chance ligada ao nexo de causalidade é bastante comum no campo da medicina, muito embora não se restrinja a esta. Ocorre quando a conduta do ofensor subtrai chances da vítima, mas o processo aleatório continua a correr e chega a seu fim. Nestes casos, a doutrina estrangeira entende que é impossível isolar o dano consubstanciado na chance perdida, pois se no final do processo aleatório não houvesse o resultado danoso, seria impossível visualizar alguma possibilidade subtraída. Desta forma, recorre-se à causalidade parcial ou a uma atenuação do ônus probatório da causalidade, a fim de indenizar as chances subtraídas da vítima.

 Novamente, ao se analisar o artigo 403 do Código Civil, a condição adequada e imediata (conditio sine qua non) do nexo causal diz respeito não à intensidade da conduta danosa, mas à potencialidade negativa desta no patrimônio jurídico da vítima.

 O próprio parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, de forma indireta, admite a reparação de condutas mínimas e, consequentemente, abre espaço para uma interpretação mitigada em relação ao nexo causal. Ora, o liame de causalidade penal é diferente do liame de causalidade civil, enquanto que o primeiro exige um grau de certeza quase absoluto entre a conduta e o dano, o segundo configura-se apenas com a simples propensão danosa da conduta na formação do ilícito.

 Dessume-se, então, que a causalidade parcial poderá ser utilizada, mesmo que de forma principal, para atenuar o fardo da vítima em relação à comprovação do liame causal. Agindo dessa maneira, o julgador atenderá aos princípios norteadores da responsabilidade civil, além de indenizar integralmente a vítima, punirá o ofensor e desestimulará a conduta prejudicial.

 A adoção da teoria pelos tribunais brasileiros analisados neste trabalho é ainda incipiente. Contudo, da análise de alguns julgados, denota-se que os tribunais mensuram a indenização de perda de chances de maneira equivocada, confundindo conceitos e demonstrando desconhecimento acerca da matéria.

 A jurisprudência não assentou um parâmetro fixo para avaliar a seriedade das chances perdidas. Por vezes, ocorre a reparação de danos extremamente hipotéticos, em total desapego aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Outras vezes, indenizam-se equivocadamente as chances conspurcadas, sendo estas enquadradas como danos morais ou lucros cessantes. Porém, o que mais se nota é o conservadorismo ainda arraigado quando alguns magistrados se deparam com o tema, por incúria deixam de prestar a devida tutela jurisdicional para as verdadeiras vítimas.

 Por fim, em que pese os reiterados erros cometidos, é possível vislumbrar um gradativo aperfeiçoamento na aplicação da teoria da perda de uma chance no Brasil. O grande aumento do número de demandas que envolvem este tema nos últimos anos é reflexo da repercussão desta teoria entre os operadores jurídicos. Assim, utilizando-se do modelo estrangeiro como fonte direta para a produção de soluções domésticas, as chances perdidas são reparáveis, desde que considerados os critérios fixados e probabilidades de cada caso concreto.

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