Debates e estudos de temas relacionados a Direito e Processo do Trabalho. Pesquisas e críticas acadêmicas. Democratização do ensino. Referencial teórico e jurisprudencial. Finalidade pedagógica e vocacional. Promoção da cidadania, dos direitos humanos fundamentais e de iniciativas de acesso à justiça.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Convite de testemunha sob sigilo no Pje: análise sobre nulidade processual e litigância de má-fé

Convite de testemunha sob sigilo no Pje: análise sobre nulidade processual e litigância de má-fé

No âmbito do processo do trabalho, a carta-convite constitui meio informal de intimação de testemunha, amplamente admitido, sobretudo nos procedimentos submetidos ao rito sumaríssimo. Nos termos do art. 852-H, §§ 2º e 3º, da CLT, as partes são responsáveis pelo comparecimento espontâneo de suas testemunhas, dispensando-se a intimação judicial, salvo se justificada a impossibilidade de apresentação direta. A carta-convite, assim, configura documento hábil a demonstrar que a parte diligenciou para assegurar a presença da testemunha, sendo prática processual legitimamente reconhecida e valorizada como instrumento de celeridade e cooperação processual.

A apresentação de cartas-convite de testemunhas sob sigilo no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) tem sido objeto de discussão quanto à sua regularidade processual e compatibilidade com os princípios da publicidade, do contraditório e da boa-fé. O tema exige análise à luz da Resolução CSJT nº 185/2017, da CLT e do CPC, bem como da jurisprudência trabalhista consolidada.

Nos termos do art. 22, §§ 3º ao 5º, da Resolução CSJT nº 185/2017, é facultado às partes atribuir sigilo a petições e documentos, com exceção da petição inicial, da contestação, da reconvenção e de seus anexos. O magistrado, por sua vez, detém competência para retirar o sigilo ou determinar a exclusão de documentos indevidamente classificados como sigilosos, observando o disposto no art. 15, § 1º, do mesmo normativo. O sigilo, portanto, não compromete a validade do documento, mas pode ser corrigido mediante simples despacho judicial.

A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região é clara ao afirmar que a juntada indevida de documento sob sigilo não acarreta nulidade processual. O entendimento firmado é no sentido de que a ausência de justificativa legal para o sigilo não invalida o conteúdo da peça, sendo prerrogativa do juízo tornar o documento acessível às partes. Assim, eventual irregularidade limita-se ao levantamento do sigilo, não ao desentranhamento ou à desconsideração da prova. Eis um julgado recente a respeito da temática:

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA RECLAMADA. CARTA-CONVITE EM SIGILO. DESENTRANHAMENTO DE DOCUMENTO. NULIDADE. RESOLUÇÃO CSJT Nº 185/2017. SÚMULAS Nº 126 E 297 DO TST. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTOS. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de declaração da reclamada contra acórdão que mantém a juntada de documento protocolado em sigilo, alegando nulidade por contrariar a Resolução CSJT nº 185/2017. 2. Decisão recorrida. A decisão entende que a falta de justificativa legal para juntada sigilosa não invalida o documento, apenas o sigilo, facultando o Magistrado disponibilizá-lo para visualização externa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em analisar a validade de documento protocolado em sigilo, contrariando a Resolução CSJT nº 185/2017, arts. 15, § 1º, c/c art. 22, § 4º, e o seu eventual desentranhamento dos autos, em razão da impossibilidade de uso como prova, conforme as Súmulas nº 297 e nº 126 do TST. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A Resolução CSJT nº 185/2017 faculta ao Magistrado excluir documentos protocolados indevidamente em sigilo, exceto defesa e reconvenção. 5. A juntada de peças em sigilo é permitida pelo PJe, sendo prerrogativa do Magistrado liberar o acesso. 6. A falta de justificativa legal para o sigilo não invalida o documento, apenas o sigilo, que pode ser desfeito pelo Magistrado. 7. Aplica-se a Súmula nº 297, I, do TST e a Orientação Jurisprudencial nº 118 da SBDI-1 do TST quanto ao prequestionamento. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Embargos de declaração da reclamada providos parcialmente para acréscimo de fundamentos. Tese de julgamento: A juntada de documento em sigilo no PJe, mesmo que indevido, não acarreta nulidade, apenas a necessidade de disponibilização para acesso externo pelo Magistrado, conforme Resolução CSJT nº 185/2017. Dispositivos relevantes citados: Resolução CSJT nº 185/2017, arts. 15, § 1º, c/c art. 22, § 4º; CPC, art. 321 e parágrafo único; CLT, art. 847; CPC, art. 189; CLT, art. 770, caput; CPC, art. 773, parágrafo único; CF/1988, art. 93, IX. Jurisprudência relevante citada: TST, Súmula nº 297; TST, Súmula nº 126; TST, Súmula nº 297, I; TST, Orientação Jurisprudencial nº 118 da SBDI-1. (TRT-4, ROT-0020169-52.2022.5.04.0017, Relator: Desembargadora Cleusa Regina Halfen, Julgado em 08/05/2025.)

Quanto à alegação de litigância de má-fé, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região entendeu que a apresentação das cartas-convite sob sigilo, com o intuito de proteger a identidade das testemunhas, não configura nenhuma das hipóteses previstas no art. 793-B da CLT. Ao contrário, tratou-se de medida razoável, sem indício de dolo ou de propósito protelatório. A Corte ainda ressaltou que o art. 845 da CLT permite que as partes compareçam à audiência acompanhadas de suas testemunhas, momento processual em que sua identidade é naturalmente revelada. À guisa de exemplificação:

A primeira ré requer a condenação da parte contrária por litigância de má-fé em razão da apresentação dos comprovantes de convite de suas testemunhas sob sigilo. De acordo com a recorrente, o Juízo de origem teria dispensado tratamento privilegiado ao recorrido ao permitir tal circunstância, destacando a ausência de permissivo legal para a apresentação dos documentos de tal forma, bem como o fato de a regra ser a publicidade dos atos processuais (art. 189 do CPC).

Examina-se.

As penalidades relativas à litigância de má-fé são aplicáveis quando a conduta da parte se enquadra em uma das hipóteses previstas no art. 793-B da CLT:

Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

A apresentação de documentos sob sigilo não se enquadra em nenhuma destas hipóteses, de modo que não prospera a pretensão recursal de condenação do autor por litigância de má-fé. Ademais, o art. 845 da CLT faculta o comparecimento das partes à audiência acompanhadas de suas testemunhas, de modo que somente neste momento seria conhecida sua identidade. Conforme justificou o reclamante à fl. 1538, a apresentação das cartas convite sob sigilo visou resguardar as testemunhas, não se constatando qualquer nulidade ou prejuízo em detrimento da parte contrária. (TRT-9, ROT-0000934-61.2020.5.09.0654, Relator: Desembargador Luiz Alves, Julgado em 08/02/2022.)

Diante do exposto, conclui-se que a juntada de cartas-convite sob sigilo no PJe, quando ausente prejuízo concreto à parte adversa e justificada por cautela com a exposição de testemunhas, não enseja nulidade processual nem configura hipótese de litigância de má-fé. A atuação do magistrado na gestão do sigilo deve seguir os princípios do contraditório, da ampla defesa e da razoabilidade, assegurando o equilíbrio da relação processual e a efetividade da prestação jurisdicional.

___________________

Fontes utilizadas

TRT-4, ROT-0020169-52.2022.5.04.0017, Relator: Desembargadora Cleusa Regina Halfen, Julgado em 08/05/2025.

TRT-9, ROT-0000934-61.2020.5.09.0654, Relator: Desembargador Luiz Alves, Julgado em 08/02/2022.

___________________

Nota de autoria

Texto de autoria de Wagson Lindolfo José Filho.

0 comentários:

Postar um comentário