Land Grabbing e sua relação com o Direito do Trabalho
O fenômeno do “land grabbing”, ou estrangeirização de terras em sua tradução mais comum no Brasil, consiste na apropriação em larga escala de terras por governos, empresas multinacionais e fundos de investimento, sem o consentimento das comunidades locais, com o intuito de explorar recursos naturais, ampliar fronteiras agrícolas ou viabilizar empreendimentos lucrativos. Trata-se de um fenômeno complexo que viola direitos fundiários, ambientais e sociais, com profundos reflexos nas relações de trabalho.
Do ponto de vista jurídico, o “land grabbing” se colide diretamente com princípios constitucionais e normas infraconstitucionais que garantem a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF/88), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) e os direitos dos trabalhadores (art. 7º da CF/88). A expansão de grandes empreendimentos sobre terras públicas ou de populações tradicionais resulta frequentemente na precarização das condições de trabalho, êxodo rural, informalidade, jornadas exaustivas e, não raro, em práticas de trabalho análogo ao de escravo — em patente violação ao art. 149 do Código Penal e às Convenções 29 e 105 da OIT.
Registra-se que o artigo 2º da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) condiciona o acesso à propriedade rural ao cumprimento de sua função social, que exige bem-estar dos que nela trabalham, produtividade, preservação ambiental e respeito às normas trabalhistas. Incumbe ao Estado garantir o acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões onde habita, bem como promover o uso racional da terra. O dispositivo também assegura o direito de permanência ao agricultor que cultiva a terra e reconhece a posse tradicional das populações indígenas, vinculando propriedade, trabalho digno e justiça social no meio rural.
Além disso, essa espécie de grilagem acarreta a expulsão de comunidades rurais, indígenas e quilombolas de seus territórios, rompendo vínculos culturais e econômicos e comprometendo o acesso ao trabalho digno e sustentável. O deslocamento forçado e a perda de territórios tradicionais impactam diretamente o direito ao trabalho como meio de vida. Nesse sentido:
Assim como o território, a terra não representa apenas um meio de produção e sim um lugar de vida e de construção identitária (ser um trabalhador rural, por exemplo). Nesse sentido, é fundamental aprofundar o debate sobre o “direito dos agricultores familiares camponeses” como um direito humano fundamental de reprodução social e qualidade de vida no campo. (SILVA, Diogo R.; MARQUES, Pedro H. G. M.; BUAINAIN, Antônio M. Expansão agrícola, preços e apropriação de terra por estrangeiros no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 50, n. 3, p. 503–524, set. 2012.)
Portanto, o combate ao “land grabbing” é essencial para a efetivação dos direitos fundamentais trabalhistas, exigindo do Estado políticas públicas de regularização fundiária, fiscalização trabalhista e proteção das populações vulneráveis. O Direito do Trabalho, nesse contexto, não pode ser compreendido isoladamente, mas em diálogo com os direitos socioambientais e territoriais, na busca por justiça social e sustentabilidade.
___________________
Fontes utilizadas
SILVA, Diogo R.; MARQUES, Pedro H. G. M.; BUAINAIN, Antônio M. Expansão agrícola, preços e apropriação de terra por estrangeiros no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 50, n. 3, p. 503–524, set. 2012. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-20032012000300007>. Acesso em: 6 jul. 2025.
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO. Ministros de tribunais superiores e do STF discutem sistema de precedentes em aula magna no TRT-GO. Portal TRT-18, Goiânia, 28 jun. 2024. Disponível em: <https://www.trt18.jus.br/portal/ministros-de-tribunais-superiores-e-do-stf-discutem-sistema-de-precedentes-em-aula-magna-no-trt-go/>. Acesso em: 6 jul. 2025.
___________________
Nota de autoria
Texto de autoria de Wagson Lindolfo José Filho.
0 comentários:
Postar um comentário