Acidente de trajeto (in itinere):
nexo cronológico x nexo topográfico
O acidente de trajeto, também denominado de acidente de percurso e acidente in itinere, constitui modalidade de acidente de trabalho, por equiparação, com previsão no art. 21, inciso IV, alínea “d”, da Lei 8.213/1991, e consiste em qualquer evento danoso que o segurado (empregado, empregado doméstico ou trabalhador avulso) sofra no percurso habitual entre sua residência e o local de trabalho, ou vice-versa, por qualquer meio de locomoção, incluindo transporte público, condução da empresa, táxi/uber, veículo automotor próprio e de terceiros, bicicleta ou até mesmo a pé.
Conforme o art. 118 da Lei nº 8.213/91, a súmula 378 do TST e o tema 125 do TST (RR-0020465-17.2022.5.04.0521), quando há afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, o trabalhador tem direito à estabilidade provisória por 12 meses após a alta previdenciária, salvo se constatada, após a despedida, doença ocupacional que guarde nexo causal ou concausal com as atividades desempenhadas no curso da relação de emprego. Trata-se, portanto, de mitigação do poder resilitório do empregador, autêntica garantia provisória de emprego, impedindo a dispensa imotivada durante o período anual de estabilidade, sob pena de ressarcimento.
Para a configuração do acidente de trajeto, é indispensável que o percurso seja habitual e no tempo necessário, isto é, a locomoção no trajeto usual e direto entre casa e trabalho, sem interrupções voluntárias que descaracterizem a continuidade. Desvios para atividades pessoais, lazer ou compras, por exemplo, podem afastar a tipicidade do acidente in itinere. A comprovação também exige prova documental (boletim de ocorrência, atestado médico, laudo pericial, etc.) ou testemunhal que demonstre o horário, o local e a motivação do deslocamento.
A doutrina e a jurisprudência exigem a demonstração de dois elementos para comprovar a relação de causalidade entre o acidente de deslocamento e o contrato de trabalho: o nexo cronológico e o nexo topográfico. A análise desses dois nexos é fundamental para determinar se um acidente sofrido durante o trajeto pode ser considerado um acidente de trabalho por equiparação. Nesse sentido é o clássico escólio de Sebastião Geraldo de Oliveira:
Se o tempo do deslocamento (nexo cronológico) fugir do usual ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, resta descaracterizada a relação de causalidade do acidente com o trabalho. No entanto, se o trabalhador tiver mais de um emprego, será também considerado acidente de trajeto aquele ocorrido no percurso de um para o outro local de trabalho. (OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 12 ed. São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 64.)
Quanto ao nexo cronológico, esse se refere ao tempo normal que o empregado leva para realizar o trajeto entre sua casa e o trabalho. Se o tempo de deslocamento for significativamente maior do que o usual, desvinculado de causas razoáveis (ordem do empregador, engarrafamentos, problemas no veículo, blitz de trânsito, etc.), o nexo cronológico pode ser afetado, e o acidente pode não ser caracterizado como de trabalho. À guisa de exemplo, colhem-se os seguintes julgados:
ACIDENTE DE PERCURSO. NEXO CRONOLÓGICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. O nexo de causalidade entre o acidente de percurso e o trabalho se verifica por meio do nexo cronológico (tempo de deslocamento) e do nexo topográfico (trajeto habitual). Assim, se o tempo de deslocamento (nexo cronológico) for demasiadamente superior ao normalmente gasto para o percurso ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, restará descaracterizado o acidente de percurso. In casu, não há como estabelecer nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente sofrido, ante a ausência de nexo cronológico, já que o acidente ocorreu aproximadamente 47 minutos após o horário que normalmente o trabalhador estaria transitando pelo trecho para o deslocamento casa/trabalho. (TRT-3, ROT-0012488-72.2017.5.03.0069, Relatora: Desembargadora Paula Oliveira Cantelli, Julgado em 12/05/2021.)
ACIDENTE DE TRAJETO. EQUIPARAÇÃO COM ACIDENTE DE TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE QUANDO CONSTATADA A RUPTURA DO NEXO CRONOLÓGICO. O art. 21, IV, d, da Lei n. 8.213/91 equipara o acidente sofrido pelo empregado no percurso entre sua residência até seu posto de trabalho, ou no retorno, a acidente de trabalho. No entanto, é indevida a equiparação quando não observados os nexos cronológico e topológico. Restando demonstrado nos autos que o tempo decorrido entre a saída da empresa e a ocorrência do acidente é excessivo e incompatível com a distância, o tempo de percurso e o meio de locomoção utilizado pelo autor, resta inviabilizado o reconhecimento do acidente de trajeto, não havendo como equiparar o infortúnio a acidente de trabalho. (TRT-12, RO-0001793-04.2014.5.12.0008, Relatora: Desembargadora Gisele Pereira Alexandrino, Julgado em 26/07/2016.)
Já o nexo topográfico diz respeito ao trajeto habitual que o empregado realiza para ir ao trabalho ou retornar para casa. Se o empregado desviar substancialmente do caminho usual, decidindo passar por um local completamente diferente e estranho às possíveis rotas, sem qualquer justificativa plausível (segurança pessoal, interdições, obras, desvios de GPS, etc.), o nexo topográfico pode ser descaracterizado, com o não enquadramento do acidente na previsão contida no art. 21, inciso IV, alínea “d”, da Lei 8.213/1991. Nesse sentido:
ACIDENTE DE PERCURSO NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE NEXO TOPOGRÁFICO. A alínea 'd' do inciso IV do artigo 21 da Lei 8.213/1991 dispõe que o acidente ocorrido no percurso da casa para o trabalho ou deste para aquela é equiparado ao acidente de trabalho para os fins da referida Lei, no que está incluído o direito à estabilidade de 12 meses do artigo 118. Além do nexo cronológico, para a caracterização do acidente de trajeto deve estar presente o nexo topográfico, ou seja, o acidente deve ocorrer no trajeto direto entre o trabalho e a residência do empregado, sem desvios. No presente caso, entretanto, não resta possível a caracterização do acidente de trajeto, diante da ausência de nexo topográfico, já que a prova documental indica que, no momento do acidente, o Reclamante não estava no percurso do trabalho para casa. Recurso ordinário do Autor a que se nega provimento. (TRT-9, RORSum-0000525-86.2021.5.09.0125, Relator: Desembargador Carlos Henrique de Oliveira Mendonça, Julgado em 02/08/2022.)
ACIDENTE DE TRAJETO. ITINERÁRIO NÃO HABITUAL. DESVIO NÃO SUBSTANCIAL. PRESENÇA DO NEXO CRONOLÓGICO E DO NEXO TOPOGRÁFICO. Consolidado é o entendimento de que também configura acidente de trajeto aquele ocorrido quando não há desvio substancial no itinerário usual residência-trabalho. A própria legislação não é restritiva, dela se inferindo que a definição do itinerário casa-trabalho nem sempre será um percurso retilíneo, invariável ou o mais curto dentre os possíveis. A eventual alteração no percurso traçado pelo empregado não tem o condão de descaracterizar o acidente de trajeto, máxime quando ficar suficientemente demonstrado que o destino final vem a ser a residência do trabalhador ou o local de trabalho, sendo, por isso, irrelevantes as pequenas variações no percurso usual e/ou daquele que possa ser tido como o habitualmente utilizado pelo trabalhador. Inexiste qualquer impedimento a que sejam percorridos pelo trabalhador, até mesmo de forma experimental, trechos e vias que possam ser consideradas mais seguras, menos movimentadas, mais rápidas ou que contemple algum interesse momentâneo ou pontual do empregado, mas que reconhecidamente esteja no percurso casa-trabalho e permita ao Julgador constatar a presença do nexo cronológico e do nexo topográfico. (TRT-12, ROT-0000613-26.2016.5.12.0058, Relator; Desembargador Alexandre Luiz Ramos, Julgado em 28/03/2017.)
Em suma, a análise conjunta do nexo cronológico e topográfico é importante para determinar se um acidente sofrido no trajeto entre a residência e o trabalho pode ser considerado um acidente de trabalho e, portanto, gerar direitos como estabilidade provisória, auxílio-doença acidentário, emissão de comunicação de acidente de Trabalho (CAT), entre outros.
Por fim, em relação à responsabilidade empresarial, embora o acidente de trajeto seja equiparado para efeitos de proteção e benefícios, a obrigação de indenizar danos materiais e morais só surge se comprovada culpa ou dolo do empregador. Em regra, os encargos decorrentes dos benefícios acidentários são suportados pela Previdência Social, cabendo ao empregador apenas a garantia da estabilidade e o recolhimento regular das contribuições previdenciárias.
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Fontes utilizadas
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 12 ed. São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 64.
TRT-3, ROT-0012488-72.2017.5.03.0069, Relatora: Desembargadora Paula Oliveira Cantelli, Julgado em 12/05/2021.
TRT-9, RORSum-0000525-86.2021.5.09.0125, Relator: Desembargador Carlos Henrique de Oliveira Mendonça, Julgado em 02/08/2022.
TRT-12, RO-0001793-04.2014.5.12.0008, Relatora: Desembargadora Gisele Pereira Alexandrino, Julgado em 26/07/2016.
TRT-12, ROT-0000613-26.2016.5.12.0058, Relator; Desembargador Alexandre Luiz Ramos, Julgado em 28/03/2017.
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Nota de autoria
Texto de autoria de Wagson Lindolfo José Filho.
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