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segunda-feira, 23 de junho de 2025

Técnica conciliatória do caucus e suspeição do magistrado

Técnica conciliatória do caucus e suspeição do magistrado

O princípio da conciliação na Justiça do Trabalho representa um dos pilares fundamentais do processo trabalhista, orientando a solução dos conflitos pela via do diálogo e do acordo entre as partes. Previsto nos artigos 764 e 831 da CLT, esse princípio visa promover a pacificação social e a celeridade processual, estimulando a autocomposição já nas fases iniciais da demanda. Ao priorizar a conciliação, o Judiciário trabalhista reafirma sua vocação conciliatória, buscando resultados mais eficazes, menos onerosos e com maior aceitação por parte dos envolvidos.

As técnicas de conciliação, quando aplicadas com preparo e sensibilidade, constituem ferramentas indispensáveis à efetividade da autocomposição na Justiça do Trabalho. Dentre elas, destacam-se a escuta ativa, o rapport (relações de confiança), a reformulação de discursos, o caucus (sessões privadas), a identificação de interesses subjacentes e a construção de alternativas viáveis para ambas as partes. O conciliador, além de dominar os aspectos legais da demanda, deve atuar como facilitador do diálogo, promovendo um ambiente seguro, respeitoso e propício à cooperação. O êxito da conciliação não depende apenas da boa vontade dos envolvidos, mas da habilidade técnica e da postura imparcial daquele que conduz o procedimento, sempre com vistas à pacificação e à preservação da dignidade das relações laborais.

Especificamente, a técnica do caucus, amplamente utilizada nos métodos autocompositivos, consiste na realização de reuniões privadas entre o conciliador ou mediador e cada uma das partes, separadamente, com o objetivo de facilitar o diálogo, esclarecer interesses e remover obstáculos à construção do acordo. Na Justiça do Trabalho, o uso do caucus representa uma estratégia eficaz para preservar a confidencialidade de informações sensíveis, reduzir tensões emocionais e ampliar a liberdade de expressão dos litigantes. Trata-se de instrumento valioso, sobretudo quando bem conduzido, pois permite ao conciliador identificar pontos de convergência e formular propostas mais aderentes à realidade das partes, favorecendo soluções consensuais e duradouras.

Porém, o julgador, ao lançar mão da técnica conciliatória caucus, deve se cercar da necessária cautela para não extrapolar os limites objetivos da lide, nem incorrer em uma postura de parcialidade (art. 801, item “d”, da CLT c/c art. 145, incisos II e IV, do CPC), com o beneficiamento de uma parte em detrimento da boa composição do litígio. A atuação negocial do juiz, mesmo durante a instrução processual, observará a desvinculação da profissão de origem e sempre se pautará no interesse dos participantes, tudo de acordo com a Resolução 125/2010 do CNJ.

É dizer que, mediante decisão informada, o magistrado poderá utilizar sessões individualizadas, desde que haja aceitação explícita de ambos os litigantes (autonomia da vontade das partes).

Diante disso, surge o seguinte questionamento jurídico: há suspeição do magistrado pela utilização da técnica de conciliação denominada caucus?

Tal debate ocorreu no bojo de exceções de suspeição, em que a aplicação da técnica de conciliação denominada caucus foi um dos motivos alegados para a suspeição de magistrados. Em vários desses casos, a técnica foi utilizada durante a audiência de um processo específico, e os advogados das partes se insurgiram contra sua aplicação. As decisões geralmente rejeitam a suspeição, explicando que a técnica de caucus é uma prática comum e que não demonstra a parcialidade do magistrado, como se pode notar nos seguintes exemplos:

O fato de a Magistrada ter pretendido conversar em audiência separadamente com a parte ré e seu procurador, após ter procedido da mesma forma com a parte autora, não a torna suspeita para julgar lides envolvendo a ora excipiente. Ao contrário, como fundamentadamente explicado pela Magistrada, trata-se de usual técnica de conciliação utilizada nesta Justiça Especializada. Destarte, não está caracterizada nenhuma das hipóteses previstas nos artigos 145 do CPC e art. 801 da CLT. (TRT-4, ExcSusp-0020580-24.2018.5.04.0571, Relator: Desembargador Fernando Luiz de Moura Cassal, Julgado em 27/10/2020.)

No caso, os fatos - incontroversos - que o excipiente reputa macularem a parcialidade da Juíza excepta consistem na utilização do método (ou técnica) "caucus" para tentativa de acordo entre os litigantes. Ou seja, dizem respeito à forma como a Magistrada conduziu a tentativa de conciliação. (…) Todavia, não há como concluir pelo interesse da Juíza no desfecho da lide em favor de uma das partes pelo simples fato de ter feito uso de técnica de mediação/conciliação, cujo propósito é exatamente o de por fim ao litígio da maneira mais favorável aos interesses de ambas as partes envolvidas. Sobredito método consiste em oportunizar às partes a chance de serem ouvidas pelo Julgador com maior privacidade, oferecendo-lhes um momento mais acolhedor e confortável para que possam manifestar com mais tranquilidade seus sentimentos e impressões sobre os fatos controvertidos. Seu objetivo (assim como o de qualquer método de tentativa de conciliação) não é outro senão o de ajudar as partes a encontrarem amigavelmente a melhor solução para o conflito entre elas existente. Constitui estratégia por meio da qual o Julgador ouve separadamente os envolvidos, buscando estabelecer uma relação de maior proximidade e confiança e, como isso, entender melhor as necessidades de cada um. Trata-se de técnica amplamente divulgada e encorajada pela Justiça Trabalhista desta Região e que não implica em suspeição do Magistrado que a adota. (…) Ante todo o exposto, rejeita-se a exceção de suspeição oposta pela parte reclamante, determinando-se o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito. (TRT-4, ExcSusp-0020571-62.2018.5.04.0571, Relatora: Maria Cristina Schaan Ferreira, Julgado em12/02/2021.)

Fixadas essas premissas, assento que, na hipótese sub judice, não se extrai da conduta do Magistrado fato grave o suficiente para afastar a presunção de imparcialidade que decorre de seu cargo. De mais a mais, a discordância quanto à forma de condução do processo de execução poderá render ensejo, oportunamente e conforme o caso, à interposição de agravo de petição, impetração de mandado de segurança ou ajuizamento de correição parcial, reputando-se imprópria a utilização genérica do incidente de suspeição com o intuito de contrapor-se à linha argumentativa e procedimental de determinado magistrado. Na mesma linha, como acréscimo de fundamento, trago à baila excerto do douto parecer exarado nos presentes autos pelo Ministério Público do Trabalho, da lavra da douta Procuradora Dulce Maris Galle, verbis: (…) Nada, nestes ou naqueles autos, porém, dá conta da alegada 'audiência paralela', que teria antecedido o momento processual em que os advogados da requerente nela ingressaram. De qualquer maneira, para celebração de um acordo dessa monta, que soluciona execuções de décadas, conversas separadas com cada um dos distintos grupos, por vezes, são imprescindíveis para a obtenção da conciliação. O uso de sessões individuais, ou caucus, consubstanciam uma técnica de mediação de conflitos, não uma atitude que tenciona beneficiar a esta ou aquela parte. (…) Bem postos os fatos, rejeito o incidente suscitado e determino o prosseguimento do feito nos autos do processo tombado sob o número 0003300-10.2009.5.01.0225. (TRT-1, IncSus-0111659-25.2024.5.01.0000, Relatora: Desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo, Julgado em 12/12/2024.)

Em conclusão, a adoção da técnica do caucus pelo magistrado, quando realizada em estrita observância aos limites legais, bem como mediante expressa anuência de ambas as partes, não configura, por si só, motivo de suspeição, mas sim instrumento legítimo de promoção da autocomposição. Dessa forma, a simples aplicação do caucus deve ser vista como extensão técnica do dever de colaboração processual, não implicando suspeição, desde que rigorosamente balizada pela imparcialidade, transparência e respeito à autonomia da vontade, sem ensejar qualquer desequilíbrio na relação entre julgador e litigantes.


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Notas explicativas

Como indicativo da vocação conciliatória, além dos dispositivos legais citados, tem-se, como exemplo, a antiga redação do artigo 114 da Constituição Federal, antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, que estabelecia que a Justiça do Trabalho era competente para “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, e, mediante lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”.

A palavra “caucus” tem raízes possivelmente na língua algonquina, de povo nativo americano, referindo-se a um conselho, reunião ou convenção política. (https://www.merriam-webster.com/wordplay/caucus)

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Fontes utilizadas

HOFFMANN, Fernando. Como se preparar para conduzir mediações por videoconferência. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/ar/artigo-fernando-hoffmann.pdf. Acesso em: 22 jun. 2025.

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2016.

TRT-1, IncSus-0111659-25.2024.5.01.0000, Relatora: Desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo, Julgado em 12/12/2024.

TRT-4, ExcSusp-0020571-62.2018.5.04.0571, Relatora: Maria Cristina Schaan Ferreira, Julgado em12/02/2021.

TRT-4, ExcSusp-0020580-24.2018.5.04.0571, Relator: Desembargador Fernando Luiz de Moura Cassal, Julgado em 27/10/2020.

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Nota de autoria

Texto de autoria de Wagson Lindolfo José Filho.

 

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