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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Ilícito lucrativo trabalhista: vedação ao enriquecimento indevido nas relações de trabalho

Ilícito lucrativo trabalhista: vedação ao enriquecimento indevido nas relações de trabalho

O ilícito lucrativo é instituto que se funda no princípio de que ninguém deve se beneficiar de uma conduta ilícita, seja ela decorrente do inadimplemento de obrigação legal ou da violação de direito alheio, de modo a que qualquer vantagem indevida auferida pelo agente seja objeto de remédio restitutório. Nesse sentido, os remédios restitutórios servem ao mesmo propósito fundamental: evitar que alguém lucre com a prática de um ato ilícito, pela recaptura dos ganhos auferidos com o descumprimento de um dever legal ou violação de um direito alheio. Essa abordagem foi defendida por Nelson Rosenvald:

Nesta esfera multiplicada de corolários de um ato ilícito, ainda no plano extracontratual, surge a possibilidade de que comportamentos antijurídicos sejam sancionados mediante o resgate de lucros impróprios ou a restituição de benefícios indevidos, como aqueles obtidos pelo ofensor com economia de despesas decorrentes do uso inconsentido de bens alheios. Nestas hipóteses, ao invés de lidarmos com a função compensatória da responsabilidade civil, investimos em sua função restitutória. (ROSENVALD, Nelson. A responsabilidade civil pelo ilícito lucrativo. 3 ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2024, p. 557.)

O chamado ilícito lucrativo trabalhista consiste na prática de conduta contrária à ordem jurídica laboral, pela qual o empregador aufere vantagem patrimonial indevida em detrimento de direitos do trabalhador. Nessa perspectiva, a resposta normativa encontra fundamento direto no art. 884 do Código Civil, que veda o enriquecimento sem causa, impedindo que alguém se beneficie injustificadamente à custa de outrem. No âmbito das relações de trabalho, essa vedação se projeta sobre situações em que o descumprimento contratual ou legal, além de prejudicar o empregado, gera acréscimo econômico ao empregador, o que exige resposta indenizatória específica.

A indenização restituitória (restitutionary damages) assume papel central nesse contexto, pois não se limita a reparar o dano experimentado pelo trabalhador, mas também a restabelecer o equilíbrio patrimonial rompido pela conduta ilícita. Essa técnica vai além da compensação clássica do prejuízo: busca retirar do ofensor a vantagem indevida, reconstituindo a justiça contratual e impedindo que o ilícito se converta em fonte de lucro (unjust enrichment).

Nessa linha, o “disgorgement” – categoria oriunda do direito anglo-saxão que traduz a ideia de remoção dos lucros ilícitos – vem sendo progressivamente recepcionado em debates jurídicos nacionais como instrumento apto a assegurar que todo ganho obtido por meio de ilícito seja devolvido. No campo trabalhista, isso se revela na obrigação de o empregador restituir valores apropriados de forma indevida, ainda que o empregado não consiga demonstrar um prejuízo imediato e integral, bastando a constatação da vantagem ilícita. Trata-se de uma forma de tutela que privilegia a dimensão preventiva e desestimuladora da responsabilidade civil, inibindo condutas empresariais oportunistas.

Trata-se de um instituto relativamente recente no cenário jurídico brasileiro, cuja autonomia dogmática ainda não foi plenamente reconhecida pela Justiça do Trabalho no campo da restituição. Observa-se, contudo, uma tendência de aproximação, pela via da ampliação da tutela reparatória dos danos de natureza extrapatrimonial, para também alcançar a restituição dos lucros obtidos ilicitamente pelo ofensor. Tal movimento pode ser identificado em julgados que, ao arbitrar indenizações por dano moral, procuram evitar que a desproporcionalidade da condenação torne mais vantajoso ao infrator manter a prática ilícita do que adequar sua conduta. Exemplo disso é a decisão do TRT da 18ª Região, que expressamente adverte que a indenização não deve ser irrisória a ponto de ensejar o denominado ilícito lucrativo, pois, nesse caso, a conduta lesiva passaria a ser economicamente estimulada em vez de desestimulada:

RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - ARBITRAMENTO - COMPENSAÇÃO PAUTADA PELA PROPORCIONALIDADE. Não sendo possível impor ao causador do ato ilícito o retorno ao "statu quo ante", busca-se uma compensação pecuniária, a qual deve ter em conta o bom senso, observando para tanto a proporcionalidade, a ser aferida de acordo com o dolo ou grau de culpa, bem como com a natureza, extensão e gravidade da lesão, tudo no intuito de evitar a decadência do ofensor, mas sem olvidar que essa indenização deve possuir caráter pedagógico e dissuasório, não ensejando, por irrisória, o denominado ilícito lucrativo, quando a desproporcionalidade torna mais atraente ao ofensor a manutenção da conduta em vez de adequá-la. (TRT-18; ROT-0010449-58.2014.5.18.0015; Relator: Desembargador Paulo Pimenta; Data de Julgamento: 12/03/2015.)

De fato, o lucro é o elemento primacial do empreendedorismo. Toda a livre iniciativa, a priori, está alicerçada na obtenção do lucro, mas com a observância de procedimentos legais para o ganho justo e em conformidade com as aspirações de um Estado Social e Democrático de Direito. Garante-se o incremento da propriedade privada, mas não o locupletamento indevido, desde que seja justo e indene de amarras corruptoras.

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Fontes utilizadas

ROSENVALD, Nelson. A responsabilidade civil pelo ilícito lucrativo. 3 ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2024, p. 557.

TRT-18; ROT-0010449-58.2014.5.18.0015; Relator: Desembargador Paulo Pimenta; Data de Julgamento: 12/03/2015.

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Nota de autoria

Texto de autoria de Wagson Lindolfo José Filho.

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