Dano existencial
O princípio matriz da dignidade da pessoa humana, muito além de garantir apenas o respeito aos direitos subjetivos, congrega também a proteção dos anseios e aspirações do indivíduo, buscando sempre extrair o máximo de suas potencialidades existenciais. Ora, o ser humano tem o direito de programar o transcorrer de sua vida da melhor forma que lhe aprouver, sem a interferência nociva de ninguém, merecendo, inclusive, tutela jurídica especial concretizadora da realização pessoal integral e do projeto de vida escolhido.
Neste sentir, nota-se o surgimento de um conceito alargado de dano imaterial, balizado pelos clamores vivenciais do ser humano. É o chamado dano existencial, que pode ser conceituado como a ofensa irrogada a uma aspiração legítima e fundamental do projeto de vida do indivíduo, como projeção existencial da dignidade da pessoa humana, colocando-o em uma situação de manifesta inferioridade e com dificuldades na vida coexistencial, sem necessariamente importar em prejuízo econômico.
Como se vê, o dano existencial se subdivide no dano ao projeto de vida e no dano à vida de relação. Em outras palavras, o vilipêndio existencial infringe tanto a liberdade de escolha na concretização da realização integral do indivíduo quanto a interação com as outras pessoas imbuídas no mesmo contexto social, já que o projeto de vida só pode se realizar com a contribuição dos demais seres, o que permite ao ser humano estabelecer sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável. Desse modo, para que se caracterize o dano existencial, é necessária a demonstração dos seguintes elementos da responsabilidade civil: a) a injustiça do dano; b) a lesão a uma posição constitucionalmente garantida.
No caso das relações de trabalho, fala-se em dano existencial quando as condutas ilícitas praticadas pelo empregador implicam limitação à vida do trabalhador fora do ambiente de trabalho (art. 223-B da CLT). É o que ocorre quando o trabalhador é submetido a jornadas exaustivas e ilegais, sendo excluído do convívio em família e em sociedade, frustrando seu projeto particular de vida.
Eis julgado paradigmático a respeito do assunto:
DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE TOLERÂNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. O dano existencial é uma espécie de dano imaterial, mediante o qual, no caso das relações de trabalho, o trabalhador sofre danos/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo tomador do trabalho. Havendo a prestação habitual de trabalho em jornadas extras excedentes do limite legal relativo à quantidade de horas extras, resta configurado dano à existência, dada a violação de direitos fundamentais do trabalho que integram decisão jurídico-objetiva adotada pela Constituição. Do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador, nele integrado o direito ao desenvolvimento profissional, o que exige condições dignas de trabalho e observância dos direitos fundamentais também pelos empregadores (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Recurso provido. (TRT-4; RO-0000105-14.2011.5.04.0241; Redator: Desembargador José Felipe Ledur, Data: 14/03/2012.)
Portanto, ao empregador não é dado interferir na vida extralaboral do empregado, devendo o poder diretivo empresarial nortear-se nos estreitos limites constitucionais da disponibilidade da força de trabalho obreira, justamente por incidirem, nas relações empregatícias, a eficácia irradiante e horizontal conferida aos princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
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Fonte utilizada
FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Curitiba, v. 2, n. 22, p. 62-78, set. 2013.
TRT-4; RO-0000105-14.2011.5.04.0241; Redator: Desembargador José Felipe Ledur, Data: 14/03/2012.
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Nota de autoria
Texto de autoria de Wagson Lindolfo José Filho.
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