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terça-feira, 2 de agosto de 2016

Condenação extra vel ultra petitum

Condenação extra vel ultra petitum


Segundo o Código de Processo do Trabalho de Portugal, o magistrado, ao se deparar com matérias provadas ou com fatos que não carecem de alegação e nem de prova, sobretudo no que diz respeito a preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, deve ultrapassar os limites impostos pelo princípio da adstrição e desde já fornecer decisão apta a suplantar o aviltamento desmesurado de preceitos irrenunciáveis e fundamentais em temas laborais.

A Condenação extra vel ultra petitum está positivada no artigo 74 do Código de Processo do Trabalho de Portugal, in verbis:

“Artigo 74.º
Condenação extra vel ultra petitum
O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.”

Inclusive tal disposição normativa já foi objeto de questionamento constitucional no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, conforme se pode notar do seguinte aresto:

“I – A oficiosidade da condenação extra vel ultra petitum prevista no art.º 74 do CPT só ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis de lei ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e quando os factos em que se funda tal condenação sejam os factos provados no processo, ou de que o juiz se possa servir nos termos do art.º 514, do CPC.
II – A regra de não conhecimento de “questões novas” - que resulta do n.º 2 do art. 660.º do CPC - é ultrapassada por aquela oficiosidade de conhecimento.
III – A inderrogabilidade de disposições legais a que o juiz há-de atender, para efeitos do referido art. 74.º, é consequenciada pelo princípio da irrenunciabilidade de certos direitos subjectivos do trabalhador, entendendo-se existir tal irrenunciabilidade quando se colocarem casos em que, para além da sua existência, se conclui que o exercício do direito se torna absolutamente necessário, por razões inerentes a interesses de ordem pública.
IV - O trabalhador pode dispor livremente do direito indemnizatório de que seja titular pela ilícita cessação do seu contrato de trabalho, pelo que, se não formula o inerente pedido na petição inicial da acção que intente após cessado o vínculo laboral contra a sua entidade empregadora, não deve o tribunal condenar esta na não peticionada indemnização.
V - O art. 74.º do CPT, quando interpretado no sentido segundo o qual não cobra aplicação quando se coloquem em causa direitos disponíveis, não conflitua com os arts. 2.º, 25.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa.” (Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, Processo: 07S2091, Nº Convencional: JSTJ000, Relator: Bravo Serra, Nº do Documento: SJ200710310020914, Data do Acordão: 31/10/2007).

Em processo laboral, o juiz deve estar atento ao clamor social que envolve a matéria e não permitir o desrespeito incessante a regras cogentes e princípios trabalhistas. Espera-se do julgador uma atuação proativa na condução do processo, sem a qual não é possível o oferecimento de uma ordem jurídica justa para aqueles que exercem uma determinada posição jurídica de vantagem.

Talvez este tipo de decisão advinda do direito comparado, com base no artigo 8° da CLT, possa ser a solução jurídica esperada por parte da doutrina e jurisprudência brasileiras diante de condenações sem pedido expresso que buscam estabelecer um patamar civilizatório mínimo nas relações de trabalho, já que a temática referente ao “dumping social” ainda encontra certo entrave normativo e ideológico no Brasil.

Por conseguinte, a boa prática portuguesa merece melhor reflexão pelos juristas nacionais. O julgamento de relações assimétricas, tal qual as demandas justrabalhistas, é tarefa por demais complexa, devendo-se entender o nobre ofício da magistratura do trabalho, principalmente em um Estado Democrático e Social de Direito, como uma ferramenta de concretização de direitos fundamentais.

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