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quarta-feira, 15 de junho de 2022

Suspeição de testemunha que move ação por dano moral

Suspeição de testemunha que move ação por dano moral

Na prática da audiência de instrução trabalhista, um dos temas mais polêmicos diz respeito à caracterização da suspeição de testemunha que move reclamação trabalhista com pedido de condenação por dano moral em desfavor do mesmo empregador. A parcialidade ou inidoneidade do depoimento por suposta inimizade ou interesse no litígio daí decorrente deverá ser arguida por meio de contradita em momento processual oportuno (antes do início do depoimento, no decorrer da qualificação da pessoa que será ouvida, nos termos do art. 457 do CPC).

A CLT traz diretriz diminuta sobre o assunto:

Art. 829 - A testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação.

Diante da lacuna, o intérprete, com base no art. 769 da CLT, deve lançar mão de dispositivos normativos correlatos contidos no Código de Processo Civil:

Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.

§ 1º São incapazes:

I - o interdito por enfermidade ou deficiência mental;

II - o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;

III - o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;

IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.

§ 2º São impedidos:

I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;

II - o que é parte na causa;

III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes.

§ 3º São suspeitos:

I - o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;

II - o que tiver interesse no litígio.

§ 4º Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas.

§ 5º Os depoimentos referidos no § 4º serão prestados independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.

Nota-se, desde logo, que a testemunha para ser inquirida deve ter isenção de ânimo para depor, sem qualquer tipo de desfavorecimento premeditado, apenas com a finalidade precípua de repassar a percepção histórica dos acontecimentos postos em juízo. Dada a relevância da prova oral no processo do trabalho, prima-se pela primazia da realidade e da imediatidade no contexto probatório.

Calha mencionar que, de acordo com o entendimento consubstanciado na Súmula 357 do TST, “não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador”, devendo-se comprovar de forma robusta qualquer tipo de troca de favores para prestar depoimento testemunhal e induzir o juízo em erro na valoração da prova. Inclusive, nesse mesmo sentido, é o ensinamento de Mauro Schiavi:

No nosso sentir, o simples fato de a testemunha litigar em face do mesmo empregador não a torna suspeita, pois no Processo do Trabalho há peculiaridades dificilmente encontradas nos demais ramos da esfera processual, já que, em regra, as testemunhas do reclamante são ex-empregados do reclamado e as testemunhas do empregador lhe são empregados. Além disso, dificilmente, em juízo, se dá credibilidade a depoimentos de testemunhas que não trabalharam junto com o reclamante em razão das peculiaridades da relação de trabalho, que é uma relação jurídica que se desenvolve intuitu personae em face do trabalhador, e, normalmente, o local da prestação de serviços está rodeado de outros trabalhadores. Sob outro enfoque, o direito constitucional de ação é dirigido contra o Estado para o empregado obter os direitos que entende violados, e não contra o empregador, que, via de regra, é uma empresa, sendo certo que, muitas vezes, nem sequer o empregado sabe quem a administra. Por isso, o fato de mover ação diante do empregador, por si só, não é motivo de suspeição ou impedimento da testemunha, ainda que os fatos sejam idênticos. (SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. 12. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 776).

O elemento dificultador paira quando a pretensa testemunha move ação com pedido de dano moral em desfavor da parte contrária. Nessa circunstância, cabe ao julgador verificar se, de fato, a suspeição se sustenta com outros indícios contidos nos autos. Isso porque o mero pedido indenizatório, por si só, não tem o condão de demonstrar a ausência de isenção de ânimo para depor, de acordo com o entendimento majoritário perfilhado pelo TST:

CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE CONTRADITA À TESTEMUNHA QUE LITIGA CONTRA O MESMO EMPREGADOR. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Não obstante os argumentos recursais do reclamado, no caso não se verifica o alegado cerceamento de defesa, tendo em vista que a decisão se encontra em consonância com o entendimento firmado nesta Corte superior, por meio da Súmula nº 357 do TST, in verbis: "SUM-357 TESTEMUNHA. AÇÃO CONTRA A MESMA RECLAMADA. SUSPEIÇÃO. Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador". O cerne da controvérsia diz respeito à suspeição de testemunha, que mantém ação trabalhista contra a mesma reclamada, e que pretende, naquela demanda, o pagamento de indenização por danos morais. Pois bem, esta Corte já firmou o entendimento de que o fato de a testemunha postular em Juízo contra a mesmo demandado, ainda que para reivindicar pedido idêntico, não acarreta a sua suspeição por si só nem torna seus depoimentos carentes de valor probante, tudo em consonância com o entendimento sedimentado na Súmula nº 357 do TST. Trata-se, ao contrário, do exercício regular de direito constitucionalmente assegurado no interesse da Justiça. De igual sorte, a simples existência de pedido de indenização por danos morais formulado na demanda movida pela testemunha, por si só, não é capaz de demonstrar a sua ausência de isenção de ânimo para depor, devendo esta ser cabalmente comprovada pela parte que alega (precedentes). Recurso de revista não conhecido. (Tribunal Superior do Trabalho. Processo: RR-12500-27.2009.5.06.0023; Relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta; Publicado acórdão em 04/05/2018).

Ora, defender a suspeição da testemunha nesses casos tende a esvaziar o próprio instituto do dano extrapatrimonial, tolhendo a prova oral sobretudo da parte reclamante, que notoriamente possui dificuldades em conseguir testemunhas. Necessário que a avaliação se dê por parâmetros objetivos, não de forma presumida, na medida em que a inafastabilidade da jurisdição revela-se como uma garantia fundamental de todo cidadão (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88).

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