Dever de acomodação razoável
O “dever de acomodação razoável” (duty of reasonable accommodation), também chamado de “dever de adaptação razoável”, teve suas bases fincadas no direito estadunidense (Equal Employment Opportunity Act, de 1972), com o objetivo de se garantir a máxima efetividade da liberdade religiosa no local de trabalho. Trata-se de um instrumento apto a viabilizar uma gramática constitucional realmente inclusiva.
Hodiernamente, pode-se, por meio de um
espectro protetivo mais abrangente (art. 2º da Convenção da ONU sobre pessoas
com deficiência e art. 4º da Lei 13.146/15), defini-lo como o compromisso jurídico
do empregador de ajustar, de forma razoável e com a melhor tecnologia
disponível, os chamados fatores de riscos psicossociais (condições de trabalho,
organização do trabalho e relações interpessoais) diante da constatação de
limitações e estigmas presentes na mão de obra, tudo em prol de uma
estruturação mais eficaz para a promoção da igualdade e da não discriminação no
ambiente do trabalho.
Nesse mesmo sentido, tem-se a preciosa
lição de Luciano Martinez e Aloísio Cristovam dos Santos Júnior:
No
âmbito do Direito do Trabalho, o dever de acomodação razoável pode ser
conceituado como uma regra de ação atribuída ao empregador, egressa do seu
dever de proteção, que se traduz na adoção de medidas razoáveis, assim
entendidas as que não lhe imponham encargo excessivo, capazes de contemporizar
as necessidades do serviço às vulnerabilidades e/ou às diferenças dos
empregados, especialmente diante da constatação de que uma conduta
aparentemente neutra poderia produzir efeito discriminatório.
Não é demais destacar que já se encontram
na jurisprudência trabalhista manifestações argumentativas deste dever de
adaptação:
1.
COISA JULGADA MATERIAL. INEXISTÊNCIA. Não configurada a tríplice identidade de
partes, pedido e causa de pedir, não há espaço para o acolhimento da preliminar
de coisa julgada. 2. "MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA
TUTELA. ÓCIO LABORATIVO. FUNÇÃO COMPATÍVEL COM LIMITAÇÕES LABORATIVAS. DEVER DE
ACOMODAÇÃO RAZOÁVEL. REALOCAÇÃO. REQUISITOS DEMONSTRADOS. PELA CONCESSÃO DA
ORDEM. I - Hipótese em que sobressaem elementos comprobatórios do
comprometimento da higidez física e mental do impetrante, bem como da sua submissão
a situação de ócio laborativo, com violação, pela empresa litisconsorte, do
dever constitucional de promoção e efetivação do direito fundamental ao
trabalho digno e produtivo (CRFB, artigos 1º, III e IV, 6º, 7º, 170, caput e
193), em condições compatíveis a incolumidade psicofisiológica do trabalhador
(CRFB, artigos 7º, XXII, 196, 200, VIII e 225), a incluir a obrigação de
implementar todas as adaptações necessárias e razoáveis para tanto, como a
realocação em setor que permita ao obreiro o desenvolvimento adequado de suas
habilidades e atividades laborais (aplicação analógica do disposto no art. 2º
da Convenção da ONU sobre pessoas com deficiência e art. 4º da Lei 13.146/15).
II - Presentes os pressupostos legais da medida de urgência pretendida na
reclamação trabalhista (CPC/15, art. 300), cujo juízo é de probabilidade, o ato
impugnado fere direito líquido e certo do impetrante à antecipação dos efeitos
da tutela. IV - Parecer pela admissão e concessão da
segurança."(Procurador do Trabalho Valdir Pereira da Silva) 3. Mandado de Segurança admitido e segurança
parcialmente concedida. (Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Mandado
de segurança. Processo nº 0000664-37.2017.5.10.0000. Relator: Desembargador
José Ribamar Oliveira Lima Júnior. Julgado em: 20 ago. 2018).
Caso haja o descumprimento injustificado
desta obrigação e a ausência de fornecimento de tecnologias assistivas, o
empregador incorrerá inevitavelmente em discriminação por conta do não
atendimento da vulnerabilidade manifestada no curso do contrato de trabalho,
além da indenização por dano extrapatrimonial correspondente, aplicando-se
analogicamente a norma contida no § 1º, do art. 4º, da Lei n. 13.146/2015.
Portanto, ao se primar pela flexibilização
proporcional dos arranjos laborais conforme as necessidades daqueles
trabalhadores mais afetados pela segregação ocupacional, desde que a adaptação
pretendida não se mostre excessivamente onerosa (ônus indevido), há sobremaneira
a preservação do emprego e também a concretização da dignidade da pessoa humana
e dos valores sociais do trabalho.
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MARTEL,
Letícia de Campos Velho. Adaptação razoável: o novo conceito sob as lentes de
uma gramática constitucional inclusiva. Revista internacional de direitos humanos:
SUR, v. 8, n. 114, junho de 2011.
MARTINEZ,
Luciano; SANTOS JÚNIOR, Aloísio Cristovam dos. Dever de acomodação razoável em
favor dos empregados imunodeficientes nos tempos do coronavirus. In: BELMONT,
Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARANHÃO, Ney. Direito do Trabalho na crise
da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, pp. 257-277.
Tribunal
Regional do Trabalho da 10ª Região. Mandado de segurança. Processo nº
0000664-37.2017.5.10.0000. Relator: Desembargador José Ribamar Oliveira Lima
Júnior. Julgado em: 20 ago. 2018.
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