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segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Dever de acomodação razoável

 

Dever de acomodação razoável

O “dever de acomodação razoável” (duty of reasonable accommodation), também chamado de “dever de adaptação razoável”, teve suas bases fincadas no direito estadunidense (Equal Employment Opportunity Act, de 1972), com o objetivo de se garantir a máxima efetividade da liberdade religiosa no local de trabalho. Trata-se de um instrumento apto a viabilizar uma gramática constitucional realmente inclusiva.

Hodiernamente, pode-se, por meio de um espectro protetivo mais abrangente (art. 2º da Convenção da ONU sobre pessoas com deficiência e art. 4º da Lei 13.146/15), defini-lo como o compromisso jurídico do empregador de ajustar, de forma razoável e com a melhor tecnologia disponível, os chamados fatores de riscos psicossociais (condições de trabalho, organização do trabalho e relações interpessoais) diante da constatação de limitações e estigmas presentes na mão de obra, tudo em prol de uma estruturação mais eficaz para a promoção da igualdade e da não discriminação no ambiente do trabalho.

Nesse mesmo sentido, tem-se a preciosa lição de Luciano Martinez e Aloísio Cristovam dos Santos Júnior:

No âmbito do Direito do Trabalho, o dever de acomodação razoável pode ser conceituado como uma regra de ação atribuída ao empregador, egressa do seu dever de proteção, que se traduz na adoção de medidas razoáveis, assim entendidas as que não lhe imponham encargo excessivo, capazes de contemporizar as necessidades do serviço às vulnerabilidades e/ou às diferenças dos empregados, especialmente diante da constatação de que uma conduta aparentemente neutra poderia produzir efeito discriminatório.

Não é demais destacar que já se encontram na jurisprudência trabalhista manifestações argumentativas deste dever de adaptação:

1. COISA JULGADA MATERIAL. INEXISTÊNCIA. Não configurada a tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir, não há espaço para o acolhimento da preliminar de coisa julgada. 2. "MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. ÓCIO LABORATIVO. FUNÇÃO COMPATÍVEL COM LIMITAÇÕES LABORATIVAS. DEVER DE ACOMODAÇÃO RAZOÁVEL. REALOCAÇÃO. REQUISITOS DEMONSTRADOS. PELA CONCESSÃO DA ORDEM. I - Hipótese em que sobressaem elementos comprobatórios do comprometimento da higidez física e mental do impetrante, bem como da sua submissão a situação de ócio laborativo, com violação, pela empresa litisconsorte, do dever constitucional de promoção e efetivação do direito fundamental ao trabalho digno e produtivo (CRFB, artigos 1º, III e IV, 6º, 7º, 170, caput e 193), em condições compatíveis a incolumidade psicofisiológica do trabalhador (CRFB, artigos 7º, XXII, 196, 200, VIII e 225), a incluir a obrigação de implementar todas as adaptações necessárias e razoáveis para tanto, como a realocação em setor que permita ao obreiro o desenvolvimento adequado de suas habilidades e atividades laborais (aplicação analógica do disposto no art. 2º da Convenção da ONU sobre pessoas com deficiência e art. 4º da Lei 13.146/15). II - Presentes os pressupostos legais da medida de urgência pretendida na reclamação trabalhista (CPC/15, art. 300), cujo juízo é de probabilidade, o ato impugnado fere direito líquido e certo do impetrante à antecipação dos efeitos da tutela. IV - Parecer pela admissão e concessão da segurança."(Procurador do Trabalho Valdir Pereira da Silva)  3. Mandado de Segurança admitido e segurança parcialmente concedida. (Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Mandado de segurança. Processo nº 0000664-37.2017.5.10.0000. Relator: Desembargador José Ribamar Oliveira Lima Júnior. Julgado em: 20 ago. 2018).

Caso haja o descumprimento injustificado desta obrigação e a ausência de fornecimento de tecnologias assistivas, o empregador incorrerá inevitavelmente em discriminação por conta do não atendimento da vulnerabilidade manifestada no curso do contrato de trabalho, além da indenização por dano extrapatrimonial correspondente, aplicando-se analogicamente a norma contida no § 1º, do art. 4º, da Lei n. 13.146/2015.

Portanto, ao se primar pela flexibilização proporcional dos arranjos laborais conforme as necessidades daqueles trabalhadores mais afetados pela segregação ocupacional, desde que a adaptação pretendida não se mostre excessivamente onerosa (ônus indevido), há sobremaneira a preservação do emprego e também a concretização da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.

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MARTEL, Letícia de Campos Velho. Adaptação razoável: o novo conceito sob as lentes de uma gramática constitucional inclusiva. Revista internacional de direitos humanos: SUR, v. 8, n. 114, junho de 2011.

MARTINEZ, Luciano; SANTOS JÚNIOR, Aloísio Cristovam dos. Dever de acomodação razoável em favor dos empregados imunodeficientes nos tempos do coronavirus. In: BELMONT, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARANHÃO, Ney. Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, pp. 257-277.

Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Mandado de segurança. Processo nº 0000664-37.2017.5.10.0000. Relator: Desembargador José Ribamar Oliveira Lima Júnior. Julgado em: 20 ago. 2018.

 

 

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