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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A recusa imotivada pelo empregador em se vacinar pode caracterizar a rescisão indireta ao empregado?

A recusa imotivada pelo empregador em se vacinar pode caracterizar a rescisão indireta ao empregado?


Fábio Luiz Pacheco1


       Muito se discute a respeito do reconhecimento da dispensa por justa causa se algum empregado recusa-se a tomar a vacina da Covid-19. A proposta, aqui, é refletir a respeito da situação inversa: a recusa imotivada pelo empregador em se vacinar pode caracterizar a rescisão indireta ao empregado?

Nos últimos dias, o tema da moda jurídica foi a respeito da vacina contra o coronavírus e suas implicações nas relações de trabalho – mormente no caso de recusa dos empregados em utilizá-la.

Vários argumentos foram utilizados para justificar a justa causa aplicável aos empregados, muitos deles trazidos em recente Nota Técnica2 emitida pelo Ministério Público do Trabalho – MPT, a qual faz as seguintes ponderações:

(…) os métodos de interpretação sistemática e teleológica elucidam e conduzem à conclusão de que o ordenamento jurídico: 1) prevê a compulsoriedade da vacinação com base no critério da exposição do trabalhador aos agentes biológicos; 2) erige, como princípio, o dever de contenção coletiva da pandemia, com o aumento da imunização de parcela da população, pelo qual se objetiva a diminuição da transmissibilidade e da incidência de infecção e a redução de casos graves ou óbitos pela doença.

Logo, na pandemia da COVID - 19, na qual todos os trabalhadores estão expostos ao novo risco biológicos SARS-CoV-2, a conclusão inarredável é que a vacinação é compulsória para toda a população, incluindo os trabalhadores, cabendo aos empregadores, juntamente com o Poder Público, cumprirem o plano nacional de vacinação, e adotarem as medidas necessárias para a contenção da pandemia, seja com medidas individuais ou coletivas.

Desse modo, o direito-dever à vacinação é assegurado tanto por meio da eficácia vertical (exigindo-se do Poder Público), quanto por meio da eficácia horizontal (exigindo-se das empresas a sua concretização).

Também ressalta a Nota do MPT que devem os empregadores (pois há dever legal a tanto) informar e conscientizar seus empregados sobre a importância e necessidade das medidas de saúde e segurança do trabalho. Ainda, afirma que as (a) empresas são obrigadas a colaborar com o plano nacional de vacinação; b) os trabalhadores também são obrigados a colaborar com as medidas de saúde e segurança do trabalho preconizadas pelas empresas, que devem incluir a vacinação como estratégia do enfrentamento da Covid-19 no ambiente laboral.

E, dentre várias conclusões, arremata a Nota do MPT:

Diante de uma pandemia, como a de Covid-19, a vacinação individual é pressuposto para a imunização coletiva e controle da pandemia. Nesse contexto, se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, pode-se caracterizar ato faltoso, nos termos da legislação. Todavia, a empresa não deve utilizar, de imediato, a pena máxima ou qualquer outra penalidade, sem antes informar ao trabalhador sobre os benefícios da vacina e a importância da vacinação coletiva, além de propiciar-lhe atendimento médico, com esclarecimentos sobre a eficácia e segurança do imunizante. (Destacou-se).

A pretensão dessas reflexões não é a de rebater ou deixar de fazê-lo em relação aos fundamentos utilizados no estudo do MPT. O intuito é o de repensar nos mesmos fundamentos sendo usados para amparar pedidos de rescisão indireta de empregados (equivalente à dispensa por justa causa provocada pelo empregador).

De pronto, afirma-se que absolutamente todos os fundamentos que amparariam a dispensa por justa causa de um empregado pela recusa em se vacinar também embasariam o reconhecimento da rescisão indireta.

Observados os diversos requisitos da rescisão indireta (tipicidade, imediatidade, gravidade da falta patronal, inexistência de perdão, dolo/culpa e nexo causal) e, imaginando que todos estejam presentes, examinam-se as hipóteses legais referentes à possível tipicidade da conduta empregatícia. Assim, destacam-se três alíneas do art. 483 da CLT: “c”, “d” e “f”.

A alínea “c” trata das hipóteses em que o empregado correr perigo manifesto de mal considerável. A doutrina assevera que esta hipótese legal refere-se à exposição do trabalhador a um risco anormal, “não previsto no contrato ou que seja considerado acima das condições normais de trabalho permitidas em lei3.

Assim, nos casos em que empregadores e empregados laboram “lado a lado” ou, ainda, quando forem comuns reuniões presenciais, sem dúvida os trabalhadores estarão correndo perigo iminente naqueles casos em que o empregador estiver contaminado com o coronavírus.

Assim, havendo provas de que o empregador recusou-se a utilizar a vacina apropriada, é possível a caracterização da rescisão indireta, em face do alto grau de contágio do coronavírus (e suas diversas mutações).

Já a alínea “d” também pode amparar os pedidos obreiros. Este tipo genérico (“não cumprir o empregador as obrigações do contrato”) pode ficar caracterizado, na temática abordada, quando o empregador deixa de cumprir suas obrigações referentes à saúde, segurança e higiene no ambiente de trabalho.

Lembre-se que é do empregador a obrigação de manter um ambiente laboral hígido, conclusão alcançada pela interpretação conjunta de uma série de dispositivos e normas, dentre elas: arts. 157 e 158 da CLT; art. 19, §1º, da Lei nº 8.213/91; arts. 7º, XXII e XXVIII, 196, 200, VIII, e 225, todos da CF/88; arts. 7º e 12 do PIDESC (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais); Convenções 148, 155 e 161, todas da OIT; Princípio 15 da Declaração do Rio – Eco 92.

Ao deixar de tomar a vacina de forma injustificada, o empregador coloca em risco a imunização coletiva, inclusive a dos seus empregados. Quando o empregador, então, assume o risco de não proteger, amplamente, a saúde dos seus empregados, pode ficar caracterizada a rescisão indireta contratual.

Por fim, ainda é possível a caracterização da rescisão indireta fundada na alínea “f” do art. 483 da CLT, pois caso o empregado seja infectado por seu empregador recusante em vacinar-se, certamente haverá ofensa física ao corpo do empregado.

Os protocolos anti-Covid são conhecidos, envolvendo desde a ingestão de medicamentos até a aplicação de injeções e a internação compulsória (casos severos). Em todos os casos, o corpo humano é “bombardeado” por uma séria de produtos químicos e alvejado por consequências médicas ainda desconhecidas em sua plenitude4.

Muito mais severas que as consequência de um soco no rosto ou outro tipo de agressão física, a infecção de um trabalhador pelo coronavírus pode representar em ofensas permanentes, tanto físicas quanto psicológicas.

Em arremate, frisa-se mais uma vez que a intenção dessas breves palavras é de levar os operadores do Direito à reflexão. Cogitar-se a dispensa por justa causa do empregado que se recusa a ministrar a vacina da Covid-19 sem, ao mesmo tempo, pensar a respeito da caracterização da rescisão indireta (quando o empregador for a parte negligente), beira à discriminação.

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1 Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 8ª Região. Ex-assistente de desembargador (TRT/4a Região). Ex-oficial de justiça federal da Justiça Federal do RS (TRF/4a Região). Ex-assistente de juiz do trabalho (TRT/3a Região). Ex-chefe de Cartório Eleitoral (TRE/RS). Ex-advogado, ex-assessor jurídico municipal e da Confederação Nacional de Municípios (CNM – Brasília/DF). Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/RS. Professor e palestrante.

2 https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf

3 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho : de acordo com a reforma trabalhista. - 16ª ed., rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forente, São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 1120.

4 Pesquisa do InCor revela que 80% dos recuperados de Covid-19 tiveram perda de memória. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/02/10/80-dos-recuperados-de-covid-19-tiveram-perda-de-memoria-diz-pesquisa-do-incor.

 

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