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sábado, 25 de janeiro de 2020

Mulher acreana


Mulher acreana

Negar que vivemos em uma sociedade machista é tapar os ouvidos para o obvio ululante. Mulheres corriqueiramente são vítimas de assédio, independentemente da classe e da condição social. A bem da verdade, o império da força e a estigmatização sexual ainda vicejam em muitos ambientes corporativos espalhados pelo Brasil.

Uma das reclamatórias mais delicadas para um juiz do trabalho diz respeito à averiguação de assédio sexual. Necessário ter expertise e sutiliza diferenciadas no trato destas ocorrências, tudo para não vilipendiar novamente a vítima ou solapar de forma precipitada o bom empregador. Muito desconfortável a situação do magistrado!

Bom, naquele dia deparei-me como uma audiência de instrução na qual se pretendia comprovar supostas práticas deste tipo de crime. A exordial expôs minuciosamente as constantes ameaças sorrateiras e gestos sexistas vertidos em desfavor da reclamante. A narrativa inegavelmente era de difícil comprovação, daí a atenção especial para a colheita da prova oral.

- É que sou mulher acreana!

Foi exatamente o que a autora confidenciou, quando de seu depoimento pessoal, ao ser inquirida sobre a possível motivação do assédio sexual por ela sofrido. Ao falar naquele momento, ela resplandecia um nítido sentimento de asco e ojeriza em relação ao antigo gerente da empresa que outrora laborava.

De fato, a instrução se embasou em provas indiciárias. Nada mais previsível, já que as condutas lascivas e assediadoras se davam no completo isolamento entre a vítima e o agressor. Recordo-me que era uma vigilante que propositalmente trabalhava em guaridas isoladas e sentia calafrios por conta das constantes investidas de seu superior hierárquico, naqueles momentos de troca de turnos e inspeção do serviço.

Talvez para outro julgador a referência “acreana” não surtisse maiores efeitos na dinâmica probatória, mas não foi isso que ocorreu na minha modesta percepção jurídica ao reconhecer a procedência do pedido. Só quem conhece bem a realidade local sabe o preconceito e o esteriótipo sexista imposto nos rincões do Norte. Acho que aqui a solução do caso refletiu bem os anseios e aspirações da região, logicamente que sem descurar das provas constantes nos autos. O resto virou poesia:

Qual parte do mundo esqueci
Quando teus tímpanos escutam o som
Dos meus soluços tristes
Os oráculos da terra selvagem
Os anseios da eterna viagem...
Busquei olhar as estrelas e ver algum sinal
Do ser sonhado, esperado, aguardado
A noite se fez manto
Cobriu meu pranto como acalanto
De longe a brisa abismal...”
(Meu pranto doído, por Luísa Lessa, poetisa acreana)

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