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terça-feira, 5 de setembro de 2017

A reforma trabalhista, as mudanças processuais quanto aos custos do processo e o "tempus regit actum"

A reforma trabalhista, as mudanças processuais quanto aos custos do processo e o "tempus regit actum"


A reforma trabalhista (Lei 13.467/17) foi alvo de bastante polêmica nos últimos meses. Com certeza, será também alvo de inúmeros questionamentos nas provas da Magistratura e Ministério Público do Trabalho, porquanto modificou sensivelmente a nossa famigerada CLT. Um dos impactos mais profundos da dita reforma foi no aspecto processual.

Poderíamos aventar diversas mudanças. Contudo, algumas das mais vigorosas dizem respeito aos custos do processo. Embora, particularmente, entenda que o processo não é loteria para se jogar sem riscos, vendo como salutar o peticionamento responsável, me parece muito clara a mensagem dada pelo Congresso: forçar os trabalhadores a diminuírem o número de pedidos/ações. Isso é uma clara política legislativa, a fim de atender aos interesses e pressões crescentes das empresas. Não entrarei no mérito da questão política. Apenas me focarei na questão processual.

A partir de agora, há o instituto da sucumbência recíproca (artigo 791-A, §3º); pagamento de honorários de sucumbência pelo empregado beneficiário da Justiça Gratuita que, dentro do processo ou em outro, tem crédito suficiente (§4º); e pagamento de honorários periciais por parte do beneficiário da “JG”, desde que tenha crédito no processo ou em outros.

Vale ressaltar a propositura de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade pelo PGR (ADI 5766), na qual se pleiteia a nulidade dos termos “ainda que beneficiária da justiça gratuita” (artigo 790-B, §4º, da CLT); da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, do §4º do artigo 791-A, da CLT e da expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita do §2º do artigo 844 da CLT. O fundamento básico é de que tais medidas diminuiriam o acesso do trabalhador hipossuficiente ao Judiciário, tratando-se de abusividade legislativa, com violação à proporcionalidade.

A despeito desse importante fato, intimamente, entendo difícil a concessão da medida, ainda mais em sede preliminar. Isso porque o STF, por política judiciária, nos últimos tempos, vem acatando as decisões legislativas, em suposta homenagem ao princípio democrático, talvez em virada importante para uma saída do “ativismo judicial” e retorno à supremacia da lei. Se para o bem ou mal isso não vem ao caso. O tempo poderá ditar outro caminho.

De todo modo, ainda não julgada a ADI, ou deferida liminar, mister que o aluno tenha em mente a possibilidade de enfrentamento dessas questões, seja no âmbito profissional ou em concurso.

Pois bem.

É sabido que vige na ciência processual o brocardo “tempus regit actum” (normatizado pelo atual artigo 14 do NCPC), pelo qual as inovações legislativas passam a valer, dentro do processo, a partir de sua vigência, com influência em processos em andamento, salvaguardando, apenas, os atos processuais já praticados.

Vejamos o que diz o artigo:

“A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”

Nesse aspecto, há quem discuta como serão aplicados esses institutos nos processos em andamento.

Para uma primeira corrente, nesses casos, a aplicação dos institutos em comento seria feita de imediato, de modo que, caso se verificasse o reclamante sucumbente, parcialmente ou totalmente, quando da prolação da sentença, deveria o Juiz condená-lo no pagamento de honorários de sucumbência.

Isto é, para essa corrente o fato temporal para os fins de aplicação do brocardo “tempus regit actum” é a prolação da sentença.

Não seria desarrazoado assim pensar. Com efeito, o ato do Juiz em que há a condenação é a sentença. Seria lógico deduzir, portanto, que a norma processual incidiria já na decisão final.

Contudo, devemos fazer algumas ponderações, o que abrirá caminho para a segunda corrente.

É certo que é com a inicial que o autor realiza os pedidos. Antes da reforma, na égide do atual regime, o autor tinha a justa expectativa que, em caso de indeferimento dos pedidos, não teria que arcar com os custos do advogado da parte contrária. Não vem ao caso, agora, dizer sobre o peticionamento responsável (ou a falta dele, para alguns advogados) e a loteria em que se transformou a Justiça do Trabalho.

Pensemos que um trabalhador, ciente de um direito em que ele ache que tenha probabilidade de demonstrar em juízo, ajuíze ação na Justiça do Trabalhador, sabedor que, no pior das hipóteses, não pagará custas e honorários de advogado. Isto é, a ação sairá “free” no pior dos mundos. Veja, esse não é o caso de peticionamento irresponsável. O reclamante tem razoável chance de conseguir provar o fato que demonstrará seu direito.

No entanto, pensemos nesse mesmo trabalhador, sabedor que se vier a perder a demanda terá que pagar custas e honorários. Nesse caso, não poderia o trabalhador sopesar os riscos da demanda e desistir, tendo em vista que, em seu ponto de vista, a chance de comprovar seu direito não compensa o risco de pagamento dos custos do processo? É uma probabilidade.

Mas aonde quero chegar com isso?

Ocorre que no primeiro caso, o reclamante, ciente que a ação sairá “free”, é surpreendido com uma reforma trabalhista, em que o jogo muda. Agora, se perder, deverá ter que pagar os custos do processo.

Poderíamos argumentar: Ora, que ele desista do pedido antes da vigência da reforma? Mas é salutar lembrar que a desistência, caso já apresentada a defesa (artigo 485, §4º, do NCPC), demandará a concordância da parte contrária. E se ela não concordar? Ah (dirão outros), que o autor renuncie ao direito. Entretanto, pondero que exigir a renúncia do direito nesses casos, para que não sofra o risco de pagar os “custos do advogado”, é medida extrema e não condizente com um Estado Democrático de Direito.

O que tento demonstrar que um dos pilares desse Estado Democrático é a segurança jurídica. Por isso, sugiro que a aplicação da norma atinente ao pagamento de honorários de sucumbência seja aplicada levando em consideração a data de ajuizamento da ação. É ela, a meu ver, que vincula o autor quanto aos riscos da ação, programando-se a respeito de eventuais ônus no decorrer do processo. Nesse caso, me apego à parte final do artigo 14 do NCPC:

“A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”

Vejamos. A teoria da “situação jurídica consolidada” visa respeitar as justas expectativas e os abusos que podem ser cometidos com a aplicação imediata da norma processual. Um exemplo: se o NCPC tivesse extinto um determinado tipo de recurso. Um dia antes da vigência surge a oportunidade para uma das partes de interpor tal medida. Não seria razoável pensar que essa parte estaria impossibilitada de interpor o recurso dois dias após a entrada em vigor no NCPC. A situação e oportunidade de interposição já estariam cristalizadas. Do mesmo modo, tenho que aos casos de pagamento dos “custos” do processo deve ser aplicada tal teoria.

Logo, no momento da prolação da sentença, entendo salutar verificar a data de ajuizamento, a fim de não “pegar de surpresa” o trabalhador que, à época do ajuizamento da ação, tinha justa expectativa que o seu insucesso não geraria qualquer pagamento de honorários de sucumbência. Isto é, teve uma “situação jurídica” consolidada e que deve ser respeitada.

No que tange ao pagamento de honorários periciais, vale ressaltar que na petição inicial não há necessidade de especificação das provas a produzir. Por isso, poderíamos pensar que é apenas com o pedido de realização da perícia, feito, geralmente, em audiência, que haveria a vinculação para os fins da aplicação da nova norma.

Entretanto, do mesmo modo, entendo que é o ajuizamento que vincula o ato para esses fins. Ora, o pedido de adicional de insalubridade/periculosidade é dependente, segundo a lei, da perícia. Ainda que se trate de perícia médica, deve o magistrado, a fim de verificar eventual incapacidade e grau de redução, determina-la. Isto é, por serem pedidos dependentes de perícia, não há como exigir que o autor vá para frente com o requerimento sem ela.

Assim, entendo que não poderia haver condenação do reclamante sucumbente no objeto da perícia e beneficiário da Justiça Gratuita, ainda que tenha crédito em processos no Judiciário, se essa situação não estava prevista quando do ajuizamento da ação. Isso com espeque na Lei 13.467/17.

Por outro lado, vale registrar entendimentos no sentido de aplicação do NCPC, art. 98, § 5º, podendo haver atribuição de pagamento de honorários periciais. Há juízes (como esse magistrado) que entendem pela possibilidade de atribuir o pagamento de honorários do perito, nos casos em que o reclamante tem dinheiro a receber no processo. A ideia é de que o autor não tinha condição de arcar com os honorários do perito no ato do ajuizamento (pois se presume a condição de miserabilidade – artigo 790, §3º, da CLT), mas passou a ter quando do recebimento das verbas em execução. A aplicação do artigo na seara laboral é motivo de polêmica e ainda não há cristalização da jurisprudência. De todo modo, tendo em vista o raciocínio usado nesse artigo, deverá ser respeitada a data de ajuizamento da ação quando da vigência do NCPC.

Registro que o TST decidiu que o rito sumaríssimo, institucionalizado pela Lei 9.957/2000, não se aplicava às reclamações ajuizadas antes de sua vigência. Vejamos:

“RECURSO DE REVISTA - PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO - INAPLICÁVEL AOS PROCESSOS EM CURSO Esta Eg. Corte tem entendimento firmado no sentido de que a Lei nº 9.957/2000, que instituiu o rito sumaríssimo no processo do trabalho, não se aplica às reclamações trabalhistas ajuizadas antes da sua vigência, ainda que o valor da causa não exceda a 40 (quarenta) salários mínimos. Assim, a aplicação do procedimento sumaríssimo a processo em curso desde 11/6/1999 viola o art. 5º, XXXVI e LV, da Constituição da República. Aplica-se o rito ordinário. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL A análise do tópico resta prejudicada. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST - RR: 250007819995150071 25000-78.1999.5.15.0071, Relator: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 26/03/2008, 8ª Turma,, Data de Publicação: DJ 28/03/2008.)”

No mesmo sentido, “mutatis mutandis”, foi o entendimento dado na OJ 421 da SDI-I do TST, quanto à condenação em honorários advocatícios nas demandas sobre acidente de trabalho, ajuizadas na Justiça Comum, antes da vigência da EC 45/2004. Vejamos:

“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO OU DE DOENÇA PROFISSIONAL. AJUIZAMENTO PERANTE A JUSTIÇA COMUM ANTES DA PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. POSTERIOR REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 20 DO CPC. INCIDÊNCIA.
A condenação em honorários advocatícios nos autos de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho ou de doença profissional, remetida à Justiça do Trabalho após ajuizamento na Justiça comum, antes da vigência da Emenda Constitucional nº 45/2004, decorre da mera sucumbência, nos termos do art. 20 do CPC, não se sujeitando aos requisitos da Lei nº 5.584/1970.”

Isto é, mais uma vez o C.TST entendeu que havia justa expectativa no momento do ajuizamento da ação, não se limitando a jogar o olhar apenas no momento da prolação da sentença.

De todo modo, as discussões a respeito da aplicação ou não dos dispositivos atinentes aos honorários de sucumbência e honorários periciais para ações já ajuizadas antes da vigência da Lei 13.467/2017 virão. Caberá à jurisprudência consolidar os entendimentos. Entendo apenas que a segurança jurídica deve estar em voga nos debates acirrados que acontecerão, a fim de não prejudicar situações jurídicas já consolidadas.

***Esta postagem é de autoria de nosso ilustre colaborador, Dr. Geraldo Furtado de Araújo Neto (Juiz do Trabalho Substituto do TRT-24) 

2 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo, muito pertinente. Com certeza esse assunto suscitará muita discussão.

    Roberto

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  2. Excelente texto. Me auxiliou na reflexão sobre o tema.

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